quinta-feira, setembro 21, 2006

Trajectórias

QUEM viaja de Lisboa para Nova Iorque costuma aproximar-se da costa norte-americana pelo menos uma hora antes da chegada ao destino. Nessa hora, observa a costa recortada do Estado do Massachusetts, a ilha Martha's Vineyard e outros destinos turísticos. Sobrevoa depois Long Island e as suas praias, viajando de norte para sul em direcção à cidade de Nova Iorque. Olhando para o mapa, parece que o avião fez um grande desvio e que, em vez de voar a direito sobre o Atlântico, preferiu encontrar o Novo Mundo a norte, onde pela primeira vez os portugueses o abordaram, e descer depois para o seu destino.Quem olhar para um globo, no entanto, repara que terá viajado pelo caminho mais curto, que corresponde a um arco de círculo máximo, isto é, um arco de um círculo que contém os pontos de partida e de chegada e que tem o centro no centro da Terra. Esticando um cordel sobre o globo e fazendo-o passar por Lisboa e por Nova Iorque, verifica-se que o caminho mais curto entre as duas cidades bordeja de facto a costa do Massachusetts. Quer dizer, para seguir o caminho mais curto entre dois pontos de latitude muito semelhante - 39 graus para Lisboa e 41 para Nova Iorque -, o avião começa por voar para oeste e um pouco para norte e acaba por fazer um trajecto para oeste e um pouco para sul.
Tudo isto pode parecer simples e evidente, mas demorou muito tempo a que os navegadores o entendessem. O primeiro a percebê-lo em toda a sua extensão foi Pedro Nunes (1502-1579).
O cosmógrafo real deparou-se de facto, com o problema inverso, que é um problema mais difícil: será que, para se viajar entre dois pontos, é conveniente tomar sempre a mesma direcção? O problema foi-lhe sugerido por Martim Afonso de Sousa, fundador das primeiras colónias que Portugal teve no Brasil. Querendo vir do Rio da Prata para Lisboa, verificou que deslocar-se para leste não bastava e que precisava de se deslocar também para norte. Mais importante, não era fácil perceber qual era a direcção exacta em que deveria viajar.
O génio de Pedro Nunes consiste em ter distinguido claramente duas possíveis trajectórias para um barco no mar alto. Uma seria a trajectória de distância mínima entre dois pontos, correspondendo a um arco de círculo máximo - é a chamada ortodromia. Outra, seria a trajectória seguida por um barco que mantivesse sempre a mesma orientação em relação aos pontos cardeais - é a chamada linha de rumo, mais tarde conhecida como loxodromia. Só em casos muito especiais é que as duas trajectórias coincidem: quando se viaja ao longo do Equador, de leste para oeste ou de oeste para leste, ou quando se viaja ao longo de um meridiano, de norte para sul ou de sul para norte. Em todos os outros casos, as duas trajectórias não coincidem. Para seguir a trajectória mínima entre Lisboa e Nova Iorque, os aviões não seguem uma linha de rumo, mudam constantemente de orientação cardeal, para poderem seguir um arco de círculo máximo.
Ao descobrir a linha de rumo, Pedro Nunes provou também que um barco que, hipoteticamente, num planeta completamente coberto de água, seguisse sempre uma mesma direcção cardeal, acabaria por não regressar ao mesmo lugar, como na altura se pensava, mas seguiria uma espiral infinita, dita espiral loxodrómica, aproximando-se de um dos pólos, mas só o alcançando após um número infinito de voltas.

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http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/e6.html