Em janeiro, não aguentei mais e subi a serra. Todos sabem como foram as águas em 60. Como choveu! Cheguei à fazenda, meti-me numas calças velhas e esperei a chegada daquela burrice calma que nos dá nove horas de sono sem sonhos. O mau tempo e o barro mantinham a todos presos em casa. Bom era quando odia amanhecia melhorzinho e eu e meu filho, ainda de pijama, íamos ver o trabalho das formigas cortando as roseiras do jardim. Mas qual! Quando o sol começava a querer esquentar vinha logo a chuva e nós corríamos para dentro. Uma noite, já ia apagar os lampiões, quando ouvi o motor de um carro que pelejava para subir a rampa. João Gilberto e Sra. estavam chegando. Tínhamos combinado que ele viria, mas, devido ao mau tempo já não acreditávamos que Joãozinho chegasse, e logo de taxi! Depois ele me contou que, atolado na lama, esperou um trator puxar o carro. Vinha cansado e descansou uns dois dias.
Então começamos a trabalhar. Fugíamos da sala onde brincavam as crianças prêsas pela chuva. Íamos para um dos quartos vazios, com fôrro de madeira, que aliás dão boa acústica. Lá, longe da cidade e do telefone, trabalhamos sossegados uns dez dias. De vez em quando o trabalho era interrompido pelas crianças que irrompiam no quarto trazendo algum filhote de tico-tico ou de coleiro "caído" do ninho. Nessa época do ano a trepadeira da varanda fica cheia desses ninhos de passarinhos pequenos. Às vêzes também as patroas entravam com um café cheiroso, biscoitos, e ficavam alí um pouco. Quando o tempo melhorava vinha o sol quente. Tomávamos banho de cachoeira e íamos flanar um pouco pelas redondêzas. Aí Joãozinho partiu. Dias depois recebo um recado; o disco estava atrazado e o Aloysio havia marcado a gravação. Desci também e começou a correria: estúdio, cópias, músicos. E tudo foi feito num ambiente de paz e passarinhos.
P. S. - As criancas adoraram "O Pato".
Antonio Carlos Jobim (texto da contracapa do álbum "O amor, o sorriso e a flor")
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