quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Os Cínicos

Na mais leve das razões, os cínicos vêm a razão para agir. Dissimulam actos, põe as suas caras-de-pau, não são sensíveis ao que podem subtrair de outros, nem estão preocupados em ver onde pousam seus pés de chumbo; pelo menos não enquanto em frenesim do acto cínico.
Têm belos sorrisos – pelos quais nos apaixonamos todos –, que lhes conferem uma sensação de perfeição; comportam-se a preceito: sabem escutar, preocupam-se com o que ouvem, mostram-se interessados e emitem opiniões interessantes, das quais se podem extrair grandes convicções e uma elevada opinião; é muito fácil levar um cínico a sério: a pecha não é como estão, é o que fazem. No entanto, os cínicos não abrem o jogo, não enquanto “não se pertencer ao clube”. No fundo, funcionam um bocado como a publicidade agressiva: apercebem-se de como agradar, realçam essas qualidades em si, negam este ou aquele defeito que sabem ter, não mostrando o que são mas o que o “público-alvo” gostaria que fossem.
A sua opinião tem dois tons: o que acreditam e o que mostram. Os cínicos até seriam boas pessoas – mesmo sem serem de confiança –, não fora a maneira impudente com que lidam com as convicções dos outros. Ao contrário do que pregam e de como se adornam, não se preocupam em compreender, não lhes interessa o justo, as razões dos outros são pó. Aliás, um cínico já sabe qual é a razão independentemente de tudo o resto. Tratam-se de juízes irredutíveis, quem olha e lhes confere credibilidade, quem se comove pela sua santa cara e iluminadas intenções, quem se abre e neles se apoia, corre sempre risco de desastre por esmagamento.
Às vezes, fica-se com a sensação de que o cínico age por narcisismo, elitismo, por medo até. Se calhar as suas raízes são paranóicas, sentem que toda a gente é como eles e que nunca poderão revelar suas forças e fraquezas, sobre pena de derrota estratégica e aproveitamento político. Para detectá-los, e ao contrário do que nos vendem nas novelas e romances de cordel, não basta olhá-los “olhos-nos-olhos” e perguntar suas motivações, antes se deve observá-los ao longe e ver como se comportam: O que dizem, como nos seduzem, como se apresentam, é muito diferente do que fazem. Pois este é o tormento dos cínicos, que com medo de que alguém os “tope” nunca estão descansados, um cínico simplesmente não consegue desfrutar de momentos de sincero relaxamento, de abertura de espírito efectiva. Por isso, imagino, os cínicos não se devem sentir nada bem na condição de embriagados: é que as verdades são menos densas que o álcool. Os seus sentimentos (bons e maus) são de papelão, montados numa estrutura tão ténue e tão complexa que vivem constantemente apavorados que possa colapsar numa torrente de emoções genuínas, revelando-se o cínico, nesse leito de destruição e verdade, um ser humano tão falível e tão próximo como qualquer outro.